sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Entrevista: Alex Buzeli


O entrevistado deste mês é Alex Buzeli. Professor da rede pública, passou por depressão profunda e até hoje sofre recaídas por problemas decorrentes da profissão. Segundo ele, "graças ao Palmeiras", reuniu forças para continuar vivendo e enfrentando os obstáculos da existência.

Conheci Buzeli num evento organizado pelo Memofut - Grupo Literatura e Memória do Futebol - do qual faço parte, e me surpreendi com o depoimento emocionante do entrevistado, que relatou ao Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras, e ao jornalista Mauro Beting, além dos presentes, de que estava ali graças à existência do Palmeiras. Para quem ama o futebol, depoimentos deste cunho são de arrepiar.

Dividi a entrevista em duas partes e nesta primeira, falaremos do Alex Buzeli professor e membro da Apeoesp (Sindicato dos Professores). Na segunda parte, o entrevistado falará do Palmeiras e de sua paixão pelo futebol.

IP - Lembro-me do seu depoimento no Museu do Futebol, que disse ter passado por uma depressão profunda e ter "sobrevivido" por se agarrar ao Palmeiras. Conte um pouco como foi isso e por qual motivo acabou em depressão.

Alex Buzeli - Comecei a ter depressão ainda em 2008. Foi uma fase terrível na minha vida, até hoje não a superei completamente, tenho recaídas fortes, principalmente quando sou exposto a situações que desencadeiam mais ansiedade.

Sou (ou fui) professor de escola pública. As condições de trabalho são péssimas. Temos muitos alunos por sala de aula, de 45 até 55 dependendo do caso, com enorme desinteresse. Resumo a profissão de professor na escola pública hoje como uma espécie de carcereiro. Não por considerar os alunos bandidos, mas pela própria estrutura do ensino. O que importa é que os alunos permaneçam o maior tempo possível dentro da escola. É este o sentido das propostas de Escola de Tempo Integral dos candidatos ao governo. As escolas públicas parecem cadeia, conheço-as profundamente por minha atividade de militância sindical, entrava em mais de 100 escolas da minha região para falar com os professores. Em Perus por exemplo, a escola de tempo integral é degradante. Grades e mais grades, os alunos amontoados no pátio esperando o turno "técnico/lúdico" começar, literalmente presos, sem ter pra onde fugir ou o que fazer. A atividade lúdica se resume a um equipamento de som portátil com música. E por qual motivo chamo o professor de "carcereiro"? Na hora do trabalho do professor, uma vez que é difícil de desenvolver qualquer trabalho com mais de 35 alunos, mesmo que estes tivessem interesse, o que não é verdade, (não vou esmiuçar os fatores da falta de interesse são complexos), o que mais importa é prender o aluno na sala de aula. Existe toda uma parte burocrática e de gestão que exige apenas isso, que o aluno fique na sala de aula, que a presença seja anotada, que as atividades estejam no diário, etc. Se o aluno aprendeu ou não, não importa.

Isso gera uma tensão muito grande, pois a todo momento, para poder desenvolver minimamente seu trabalho, você necessita um pouco de paz, os alunos não querem, pois estão interessados em desenvolver a sua sociabilidade no ambiente escolar, não em aprender, aliás, quanto maior o desinteresse nas aulas, mais sociável e reconhecido pelo grupo o aluno é. Então são duas posturas diametralmente opostas, uma querendo socializar o conhecimento e outra querendo desenvolver a sociabilidade. Daí vem o governo falando que o que importa não é o conteúdo, mas as habilidades, competências, etc., ou seja, deixem o conteúdo para as escolas da burguesia e ensinem, pelo menos, os mais pobres a se comportar civilizadamente.

Quando estourou minha crise de ansiedade e depressão, os alunos que eu tinha não eram indisciplinados, apenas totalmente desinteressados. Com isso o professor fica desestimulado. E isso se juntou a anos de problemas, sem poder desenvolver meu trabalho, sem poder exercer minha profissão por causa dos problemas apontados acima.

Quem não teve ansiedade e depressão profunda, não imagina o que isso seja. As crises são horríveis. Até relatei isso para o jornal Mais, em uma matéria que saiu no dia do aniversário do Palmeiras. Parece as crises da menina do filme O Exorcismo, de Emily Rose, claro que se você abstrair o ângulo religioso e ver pelo científico. Perdemos o controle do corpo, tanto que as pessoas acham que tudo tem um fundo religioso, todas as religiões rezaram por mim, foi muito engraçado, vieram amigos espíritas, católicos, evangélicos, testemunhas de Geová, umbandistas, todo mundo tentando ajudar. E não estou exagerando. Mas não teve como, só a boa e velha ciência com os remédios e a terapia conseguiu resolver. Hoje tomo apenas dois remédios para minhas crises, todos os dias, cheguei a tomar 14.

IP - Qual a sua atividade hoje? Fale do período em que foi dirigente da Apeoesp. O que fazia exatamente?

Alex Buzeli - Hoje estou afastado do trabalho, por causa destes problemas. Se entro em contato com algumas situações, as crises se desencadeiam, tento controlar mas são mais fortes. Fora isso vendo livros para completar a renda, tudo online, sem essa renda extra não tenho como pagar os remédios e a terapia, que comem boa parte do meu salário. O correto seria eu ter acesso aos remédios e ao tratamento pelo sistema público de saúde, mas não é assim que funciona.

Na Apeoesp (sindicato dos professores do Estado de São Paulo, o maior da América Latina, com cerca de 170 mil associados), eu fazia parte da Diretoria Estadual. Participava de uma agrupação de oposição a direção do sindicato. Sem ligação com partidos políticos. Sempre fui da opinião que o sindicato deve representar o interesse dos trabalhadores, ser radical nessa defesa, no momento em que o sindicato é tomado por interesses políticos particularistas, perde seu potencial transformador e de luta e acaba se adequando a política institucional, aquela política que é decidida entre os partidos e não entre os trabalhadores.

Meu trabalho era passar nas escolas, conversar com os professores os chamando para organizarem-se e lutarem por seus interesses de forma coletiva. Os principais benefícios sociais são alcançados pela pressão política dos trabalhadores ou população organizada, esperar que um político resolva algum problema específico de parcelas da população é ingenuidade. O político se move pressionado, se não o pressionamos outros pressionam com o poder econômico. Desta forma o dinheiro sai da educação, saúde, segurança pública e vai para as empreiteiras, empresários, etc. No fundo, no fundo a corrupção é isso, fruto da ausência de participação popular e excesso de participação empresarial através de lobbies.

IP - Estamos e período de eleições e como você analisa a "oferta" de candidatos aos cargos de maior importância: presidente e governador, neste caso, para o Estado de São Paulo?

Alex Buzeli - Sempre defendi que a política deve ser exercida para além do voto. Os principais candidatos que aí estão não governam para a população em geral, governam empurrados por interesses particulares de grupos empresariais. Sob o capitalismo é assim que funciona, não há como fugir. Você muda a correlação de forças com a participação organizada das pessoas em lutas coletivas. Isso não ocorre em grande escala desde a década de 1990. Há um refluxo de lutas.

Bom isso é uma coisa, outra é a defesa descarada dos grandes meios de comunicação dos candidatos do PSDB. O grande problema é que são 6 a 8 famílias que controlam o grosso da mídia do país que querem governar o Brasil como na época da Ditadura Militar. Neste sentido, há uma campanha de desmoralização da Dilma Roussef desproporcional. Desproporcional pois a cobertura dos fatos de igual teor dos outros candidatos não são feitos da mesma forma. A imprensa verdadeiramente livre denunciaria todos os problemas de corrupção e não selecionaria aqueles dos seus inimigos.

Além disso, há certo ambiente mais democrático nos governos petistas, talvez pelo motivo de muitos movimentos populares possuírem uma relação umbilical com o partido. Este ambiente favorece o exercício da democracia participativa em maior grau, se ela não é exercida, através de greves, manifestações, etc., já é um outro problema. E se há governos do PT que fazem como a direita tradicional na repressão aos movimentos populares eles devem ser combatidos da mesma maneira.

Em suma, se formos analisar pelo programa e histórico político dos principais candidatos a cargos executivos do país, chegaremos a conclusão que o que é diferente entre um e outro não é nada substancial, são apenas nuances e atenuações de elementos entre um programa e outro. Quando o PSDB acusa o PT de dar continuidade aos fundamentos do governo Fernando Henrique Cardoso, eles têm razão. Lula só foi mais inteligente e menos elitista pois conseguiu espalhar algumas migalhas de programas sociais, ter um posicionamento político público não tão subalterno e enfrentar uma crise econômica sem precedentes nos últimos 50 anos como FHC não tinha conseguido com crises bem menores que esta última. Quem quer votar Serra, não possui justificativas, pois o Lula aplicou e foi mais eficaz em promover o programa do próprio PSDB. Por isso, Serra não consegue passar dos 30% das intenções de voto. A diferença entre o Serra e a Dilma, está no fato de que o Serra é muito mais elitista e não abre espaço para dialogar com os grupos organizados que reivindicam melhorias democraticamente. O PT já tem mais jogo de cintura, concede algumas melhorias, poucas é verdade, não realiza reformas de uma vez, pois as reformas retiram direitos historicamente conquistados, ou seja, vai comendo pelas beiradas, prejudica os trabalhadores assim como o PSDB, mas faz as coisas de forma a não parecer um atentado tão grande aos direitos conquistados.

Um anarquista do começo do século XX dizia que o povo tem uma capacidade imensa de se adaptar as situações mais adversas, só se levanta indignado quando sua situação de vida tem mudanças bruscas. Ele tinha razão. O PT entendeu isso e muda as coisas lentamente, a burguesia deveria estar feliz, que com o PT no governo houve um maior controle dos movimentos sociais, seja por não existir mudanças drásticas, seja pelo aparelhamento dos movimentos que o partido promove. Mas a burguesia brasileira é tão míope e reacionária que não consegue ver que o melhor governo para ela é o governo do PT, e não dos seus agentes diretos, o PSDB. Maquiavel já dizia que em certos momentos é necessário pegar alguém do povo, que tenha essa legitimidade de ser povo, para governar em nome de quem realmente tem poder. A grande imprensa não percebeu isso.