segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Entrevista: Alex Buzeli - parte II

Buzeli questiona Beluzzo no Museu do Futebol


IP - Encontrei seu blog, Socialismo e Palmeiras, e aproveitando o gancho do nome, você acredita na viabilidade de implantação do sistema socialista no Brasil mesmo na atual conjuntura, do capitalismo consolidado? Por quê?

Alex Buzeli - Primeiro gostaria de deixar claro que o socialismo em meu modo de ver não é o socialismo que existiu na União Soviética, China, Cuba, etc. Socialismo pressupõe participação popular democrática nas decisões econômicas, políticas, culturais, da sociedade. Socialismo é o regime de participação política democrática mais avançada. Não é a ditadura de um homem ou de um Partido.

A viabilidade da existência do socialismo deve ser vista através de duas perspectivas. A primeira é da viabilidade estrutural, se assim podemos chamar. Ou seja, existem as bases econômicas suficientes para que o socialismo se desenvolva no Brasil, há a possibilidade de desenvolvimento tecnológico, cultural e social que possa ser a base do socialismo? Entendo que deste ponto de vista existem as condições para a existência do socialismo no Brasil.

Outra questão é que o socialismo pressupõe participação política constante de amplos setores da sociedade, essa participação não existe hoje no Brasil, os grupos organizados são poucos e os que existem entram no próprio sistema e não conseguem mudar a sua dinâmica. Os raros grupos que realizam uma crítica acertada ao sistema e desenvolvem algum tipo de ação política que possa gerar frutos do ponto de vista da construção de uma sociedade socialista, são pequenos e hoje não conseguem interferir significativamente na sociedade. Isso quer dizer que, como disse Fukuyama é o fim da história, o capitalismo venceu. Longe disso, isso quer dizer que neste momento histórico, específico e que não é estático, ou seja, nem sempre foi assim e nem sempre continuará assim, o socialismo é mais uma aspiração que uma alternativa concreta a curto prazo. Mas a história muda, e os elementos que criaram o ideário socialista permanecem, todos os problemas do capitalismo, econômicos (como as crises cíclicas que acontecem aproximadamente a cada 5 ou 6 anos), sociais, como a desigualdade gritante, ambientais, éticos, como o massacre do continente africano utilizado como um imenso laboratório explorado pelas empresas capitalistas, permanecem.

Mas as condições devem existir, pra que seja possível a construção do socialismo. Vejo a grande mídia demonizar o Chaves no Brasil, o que, diga-se de passagem, não acontece entre as populações de outros países latino-americanos, mas em termos de democracia houve um grande avanço na Venezuela, as pessoas que antes ignoravam hoje conhecem a constituição, debatem política, houve uma imensa melhora no sistema de ensino, livros são distribuídos gratuitamente e lidos por boa parte das pessoas, os plebiscitos e eleições acontecem quase que anualmente, a população é estimulada a formar grupos, se organizar e agir coletivamente, ao contrário do que ocorre aqui onde quem se organiza e vai a luta é reprimido, etc. Mas lá há um problema, a base econômica do país é muito fraca. Existe a indústria do petróleo, um pouco de construção civil e mais nada praticamente, nem mesmos aquelas indústrias mais básicas de bens de consumo ou alguma produção agrícola em maior escala, os caras importam até alimento. Sem essa base, não há construção do socialismo possível, e a personificação do poder, mesmo que haja estímulo a participação popular, se torna inevitável.

IP- Voltando a falar de Palmeiras, li o post em que você sugere mudanças estatutárias no clube. Você participa do Conselho palmeirense? É sócio-torcedor?


Alex Buzeli - Cara a política do Palmeiras, assim como a de quase todos os clubes brasileiros é muito arcaica. São famílias que controlam há décadas o clube como se fosse propriedade particular, como se fosse a sua casa, seu carro, sua empresa. É sintomática a atitude do Palaia de tirar dinheiro do bolso para pagar os salários atrasados. Ele age como se o Palmeiras fosse a sua imobiliária. "O clube está em dificuldades, tudo bem, eu tiro do meu bolso agora e pego depois, tá tudo em casa". Isso é um absurdo, se ele soubesse que se o Palmeiras fosse controlado democraticamente, saberia que a entidade teria que agir como qualquer outra empresa ou entidade pública. Está em dificuldades corre atrás do melhor empréstimo, renegocia as dívidas, negocia o pagamento com os credores, busca maiores receitas, etc., tudo o que o Belluzzo estava tentando fazer, pelo menos é o que parecia para quem, como eu, não está no dia-a-dia do clube.

Mas não, o Palmeiras é controlado de forma patrimonialista. Como se fosse uma empresa familiar que passa de pai pra filho. Veja os diretores dos anos 40, 50, 60, até hoje e você perceberá que os sobrenomes continuam os mesmos. Sou descendente de italianos, mas não sou filho de empreiteiro, advogado, economista, etc., não tenho espaço na política do Palmeiras e mudá-la por dentro é quase impossível. Quem lá está quer se perpetuar no poder, você viu as mudanças estatutárias propostas? Risíveis. Não mudam nada. O Belluzzo sozinho não teve forças pra mudar muita coisa. Você sabe quanto uma pessoa gasta pra ser eleito no Palmeiras? Por volta de 25 mil reais por baixo! Para cargos que, teoricamente, não são remunerados.


Por isso sou a favor de algumas mudanças profundas. Primeiro, que o futebol seja separado do clube e que existam duas eleições diferentes para cada um. Segundo, que todos os sócios-torcedores possam votar a partir do segundo ano de associação, mas um programa como o do Inter, por exemplo, não esse arremedo de programa de sócio-torcedor do Palmeiras, e que possam ser eleitos a partir do terceiro ano. Terceiro, diretoria colegiada sem a figura medieval do conselheiro vitalício. Essas três mudanças já oxigenariam a política do Palmeiras.

Mas, creio que as mudanças devem chegar por pressões externas, tornar pública a mobilização, quando você leva a luta pro cenário fechado e controlado do clube é muito mais fácil de que ela seja controlada. Isso em todas as esferas. Negociações de gabinete entre diretores dos sindicatos e patrões, são facilmente controladas em benefício de quem já está no poder, manifestações e pressão pública conseguem reverter as coisas com maior poder. Neste sentido, eu até entendo aqueles grupos que pregam associação ao clube para tentar alguma mudança interna, mas creio que seria mais eficaz eles gastarem o seu tempo mobilizando a opinião pública e transformando esse movimento em algo de massas de fora para dentro. A própria pressão obrigaria a modificação estatutária.

Claro que digo isso da posição cômoda de quem não é sócio e não participa da vida política interna do clube, mas colaboraria com movimentos organizados entre torcedores associados e não associados em prol das mudanças necessárias no Palmeiras. Principalmente se vermos que este é um caminho que mais cedo ou mais tarde vai ter que ser tomado, veja o Inter, o Grêmio, o Vasco e outros clubes que já estão se democratizando.

IP- O que achou das medidas tomadas pelo presidente em exercício, Salvador Hugo Palaia? Ele acertou em dissolver a atual diretoria?

Alex Buzeli - O Palaia é a encarnação do modelo patrimonialista de poder no Palmeiras. Qualquer pessoa de bom senso, na conturbada política palmeirense, buscaria construir o mínimo de consenso entre os trocentos grupos políticos da situação para tomar a atitude que ele tomou, jogar a responsabilidade para o coletivo, uma vez que a maior parte das pessoas queria a saída do Cippullo, mas ele, como considera o clube seu patrimônio assim como sua imobiliária, resolveu demitir a diretoria como faria com um office-boy do seu escritório. Se o time vai melhorar eu não sei, mas que as mudanças necessárias para democratizar e modernizar o Palmeiras não ocorrerão com o Palaia isso eu posso afirmar.


Agora, um bate bola rápido:

Futebol: Minha religião, não posso ser racional o tempo inteiro, o futebol preenche meu lado passional.

Palmeiras: O que torna essa religião mais próxima, mais humana.

Ídolo palestrino: Evair, apesar de admirar muito o caráter do Marcos, o Evair marcou por causa que foi o ídolo do primeiro título que vi.

Título inesquecível: Paulista de 93

Gol mais bonito: Do Edmundo contra a Portuguesa não lembro se foi em 93 ou 94 e do César Sampaio contra o São Paulo. O Gol do Alex contra o São Paulo talvez tenha sido mais bonito, mas não teve a mesma importância do que o do César Sampaio.

Maior rival: Corinthians

Sua ida mais emocionante ao estádio (jogo e placar): Palmeiras 1 x 0 Botafogo ( se não me engano) gol do Cuca.

Torcida organizada: Se organizam para quê?

Palmeiras de Felipão, hoje: Palmeiras de Felipão hoje, é o Palmeiras do Felipão em 1997, 1998, 1999, 2000, claro que com menor número de jogadores com qualidade, mas são times com mais disposição que técnica, sempre ganhando jogos apertados e na raça, sem espetáculo. Felipão nunca deu espetáculo com os times do Palmeiras, mas ganhava e demonstrava garra, isso já é o suficiente pra mim.


*Foto: Diego Viñas